Sistemas dinâmicos II: Expectativas racionais
Há muito tempo atrás eu escrevi sobre Álgebra Linear e sistemas dinâmicos. Lá, eu falava de um caso em que o sistema era , onde era um vetor e tinha que ter autovalores menores que 1 em módulo para garantir a estabilidade do sistema. Apesar de ser um caso bem interessante, muitas vezes em economia nós temos que lidar com expectativas e assumimos expectativas racionais - que pode ser definida de várias maneiras, mas a mais intuitiva é pensar que agentes não cometem erros sistematicamente. Um caso “famoso” de expectativas racionais é a curva de Phillips novo keynesiana:
Onde é a inflação e é o hiato do produto.
Eu me perguntei durante muito tempo “como diabos você se livra dessa expectância?”. Com expectativas adaptativas, a resposta é bem simples: . Para entender como funciona o caso com expectativas racionais, vamos dar um passo para trás e relembrar o passo a passo da equação em diferenças linear sem expectativas.
Suponha que você tem uma única equação, linear, . Podemos sempre iterar para trás e realizar substituição recursiva:
E substitua a última na penúltima, …, a terceira na segunda e a segunda na primeira para obter:
Onde é uma condição inicial. Veja que se , o sistema explode. Caso contrário, o processo colapsa para zero. Normalmente, em economia, nós imaginamos que existe um choque aleatório e o sistema é . Isso é só um AR(1) usual e a representação recursiva funciona da mesma forma, mas agora com um termo extra:
Até aqui, nada de extremamente novo: esse é o ferramental usual de equações em diferenças. Agora, considere que nós temos uma única equação que tem uma expectativa (que assumimos ser racional):
Veja que se , a equação está no “estado estacionário”. Resscreva de maneira que esteja em evidência:
O truque aqui é ao invés de iterar para trás, nós iteramos para frente:
Logo, substituição recursiva nos dá:
Se , então quando , . Veja que é equivalente a .
O caso mais interessante é quando temos uma variável a mais no sistema, - que pode ser determinística ou estocástica. Nossa equação se torna:
(Veja que podíamos ter algum coeficiente na frente de ). Usando o mesmo truque que usamos acima, podemos reescrever isso:
E iterando para frente:
Com , obtemos .
Então para resolver equações em diferenças com expectativas, nós iteramos para frente e portanto exigimos que o coeficiente associado a seja maior que 1.
Em um sistema de equações lineares, isso se reflete de maneira bem simples: antes, para termos estabilidade, todos os autovalores deveriam ser menores que 1. Agora, quando tivermos expectâncias, precisamos de 1 autovalor maior do que 1 para cada equação que depender da expectância da variável (isso não é sem alguns caveats técnicos). Isso é conhecido como condições de Blanchard Khan. Verificar as condições de Blanchard Khan é basicamente um exercício de contar quantos autovalores são maiores que 1 e quantos são menores que 1 e quantas equações dependem de expectativas e quantas não dependem. Veja que, seguindo a notação acima, teremos que escrever o sistema para termos:
E checarmos os autovalores da matriz A: precisamos de ter o mesmo número de autovalores maiores que 1 que equações que dependem de expectativas; e mesmo número de autovalores menores que um do que equações sem expectativas. Alguns autores usam a equação ao contrário e colocam do lado esquerdo e A acompanhando o vetor de expectativas. Nesse caso, as condições de Blanchard Khan se invertem.
Um exemplo
Vamos olhar o modelo Novo Keynesiano mais simples possível: ele tem uma equação IS intertemporal - como os agentes escolhem consumo hoje e amanhã dado a taxa de juros reais; uma curva de Phillips com expectativas; uma regra de política monetária que escolhe juros como função da inflação, um inflation target. Aqui vão as três equações:
Temos duas equações que dependem de expectativas e uma que não depende. Logo, precisamos de dois autovalores maiores que 1 em módulo e um menor que 1 em módulo. Vamos escrever do formato que eu coloquei acima, com todas as expectativas de um lado. Eu vou escrever o sistema na verdade como:
E , logo vamos precisar inverter (se ela for inversível). Temos:
Se você lembra dos cursos de macro (e aprendeu isso), o princípio de Tayor impõe que para o Banco Central controlar a inflação. Isso se traduz no sistema acima como “para o sistema satisfazer as condições de Blanchard Khan, ”. É possível verificar isso analiticamente, mas vamos usar o R para isso. Vamos montar as equações, colocar alguns valores para os parâmetros e checar o número de autovalores maiores que 1. Primeiro, vamos checar que com temos o número de autovalores certos:
## eigen() decomposition
## $values
## [1] -2.165909 1.165909 0.000000
##
## $vectors
## [,1] [,2] [,3]
## [1,] -0.2966180 -0.6109608 0
## [2,] -0.9326410 0.0942406 0
## [3,] 0.2054227 -0.7860316 1
Temos dois autovalores maiores que 1 em módulo (um deles é um -2) e um menor que 1 em módulo (0). Logo, o sistema tem uma única solução (“as condições de Blanchard Khan são atentidas” usando os jargões de macro). Um pequeno detalhe: eu usei o comando qr.solve
que faz a mesma coisa que o solve
, mas é mais estável. Vamos testar vários valores para e recuperar quantos autovalores são maiores que 1 em módulo:
Veja que o número de autovalores maiores que 1 salta um pouquinho antes de , em . Isso se deve a erros numéricos e basicamente valida o principio de Taylor: para estabilizar a economia, o BC precisa aumentar a taxa de juros mais que a inflação, efetivamente aumentando a taxa de juros reais.
Uma pergunta justa é o que acontece quando o BC decide suavizar as mudanças na taxa de juros, tendo uma inércia de . O novo sistema se torna:
Vamos repetir todo o experimento:
Não há nenhuma grande mudança, aparentemente.
Veja que eu fui malandro e escrevi um modelo no qual temos uma matriz :
E portanto . Como lidar com sistemas com singular é uma pergunta válida e não trivial de ser respondida - precisamos de usar decomposições espertas de Álgebra Linear. Mas o princípio básico de contar autovalores permance inalterado. Veja que esse método tem críticos e alternativas. Todos esses assuntos são bons temas para futuros posts do blog.
Bibliografia
Esse post se deve basicamente a aulas que eu tive e ao excelente livro do Jianjun Miao, Economic Dynamics in Discrete Time - que eu nunca canso de recomendar.